Foi esse olhar que me
desarmou completamente. Eu estava furioso, com ânsias de matar,
queria pegar o Jack e fazê-lo pagar muito caro pelo estrago. Ele
havia roido o registro da água (mais uma vez) e minha casa estava
debaixo d'água, estava inundada.
O esguicho que saia pelo cano
estraçalhado era tão forte que mais parecia um chafariz de praça.
Quando me viu sair do carro ele logo sentiu o clima e tratou de fazer
aquela cara de paisagem como se nada tivesse a ver com o dilúvio.
Procurei um pau pra bater nele mas não achei nenhum, como já falei
eu queria assassinar o Jack o meu adorado cão da raça pit bull, ou
faria isso ou teria um troço ali mesmo.
O sangue subira todo pra
cabeça e eu estava tomado de fúria assassina, olhei em volta, dessa
vez a procura de uma pedra, um ferro, sei lá, uma arma qualquer que
me auxiliasse no cumprimento de meu intento que era deletar o Jack
desse mundo e foi então que eu vi o martelo, peguei-o, era só mirar
a testa e dar a cacetada. Jack naturalmente tentou fugir mas em vão
pois a corrente que o prendia limitava seu espaço e então ficou
encolhido, espremido junto ao chão aguardando pelo abate.
Quero deixar bem claro que meu
gesto tresloucado ocorria por causa de uma sequência de destruição
provocada pelo meu adorável cão da raça pit bull, a bem da
verdade, Jack já havia destruído tantas coisas que só faltava mais
uma gota para encher e transbordar o meu copo de sanidade. Caminhei
decidido na direção dele para dar a martelada, bastaria uma só,
bem no meio da testa e meus problemas acabariam. Mas foi então que
eu cometi um erro fatal ao olhar para Jack. Não deveria ter olhado.
Aquele olhar assustado e confuso me desarmou completamente porque
pareciam dizer que, logrando meu intento depois me arrependeria
amargamente. Estavam a me dizer que era apenas um animal de
estimação, brincalhão, que gostava de roer coisas para exercitar
os dentes fortes, o olhar de Jack transmitiam um medo imensurável,
uma total confusão para o que, seguindo seu instinto canino, era um
ato inexplicável da minha parte uma vez que não entendia o porquê
de eu estar tão furioso com ele. Só porque havia roido uns canos
que esguichavam água? Os olhos de Jack pareciam dizer: ponha-se no
meu lugar e verás o quanto sou inocente e quanto injusto tens sido
comigo toda vez que destruo alguma coisa dentro e fora da casa.
Os olhos de Jack pareciam dizer tantas coisas
que acabei jogando o martelo pra longe e, ao invés da martelada, me
pus a acariciá-lo. Esse tipo de atitude tipicamente humana deve
deixar os animais bastante convencidos da nossa insanidade mas o que
eu fico a imaginar cá com meus botões depois disso tudo é que tipo
de percepção nós, humanos, temos dos animais como seres vivos
ocupando um espaço nesse mundo em que vivemos.
Eu estou sinceramente convencido que, para
muita gente, um cachorro correndo e uma pedra rolando não tem muita
diferença e muitas vezes já me peguei pensando se na evolução das
espécies, se no fato da inteligência do homem ter se desenvolvido e
chegado ao nível que chegou não foi um senhor tiro no pé da mãe
natureza. Vemos tanta devastação do meio ambiente, tantas maldades
cometidas contra animais que até tenho dúvidas se merecemos o dom
da inteligência já que a utilizamos muitas vezes de forma tão
torpe, equivocada e destrutiva.
Qual o problema se nós como outros animais
tivéssemos o mesmo nível de desenvovimento intelectual?
Provavelmente não teríamos sobrevivido a nossos predadores naturais
e a raça humana teria se extinguido, menos mal, quantas barbáries
certamente deixar-se-ia de cometer, por exemplo, nunca se viu um
bicho jogar seu filhote de um precipício mas homem sim, ele é capaz
de jogar uma criança do quinto andar de um prédio, humano
inteligente mata, assassina seus animaizinhos de estimação (como eu
quase ia fazendo) ou abandona-os...