Naquele dia fiquei
muito puto da vida e quando estou puto da vida eu viajo. Primeiro
recebi a notícia que Fernando, o gerente do restaurante que eu
trabalhava estava doente e faltaria ao trabalho. Isso significava que
eu teria que chegar mais cedo no trabalho e fazer as tarefas dele
além das minhas e foi o que fiz. Mas o que não esperava é que
aparecesse o substituto de Fernando, seu irmão, que não entendia
nada de restaurante mas estava alí para tentar substituir o irmão.
O sujeito começou a pegar no meu pé e dos cozinheiros, copeiros e garçons da casa, gente a maioria com 15 anos ou mais tempo de estrada na culinária e atendimento ao público o que me deixou muito
irritado, pensei, se continuar a palhaçada eu caio fora. E foi
justamente o que ocorreu quando o sujeitinho começou a pegar no meu
pé joguei o uniforme no armário e sai. Como o restaurante
ficava no Méier e próximo da estação resolvi pegar o trem da
Central do Brasil e viajar até Duque de Caxias. A viagem me
refrescaria a cabeça e serviria para ver um lote de terra que estava
à venda num anúncio de jornal. A minha primeira estranheza seria
esta, porque depois de 15 anos sem faltar um dia no trabalho,
acontecesse o que acontecesse, resolvi faltar justo naquele dia?
Pois
bem, andei até a estação do Méier, subi a escadaria e me dirigi ao setor de
passagens. Havia uma fila enorme e a minha paciência estava bem limitada devido,
principalmente, ao incidente com o irmão do gerente ocorrido no
restaurante. Portanto, não estava com estômago para aguentar o que ví, ou seja, uma garota furando a fila bem na minha frente mas foi o que aconteceu. Quando dei
por mim ela havia se postado bem na minha frente. Certamente não tinha a menor idéia do ódio quase mortal que eu tenho de
furadores de fila. Nada, nada me deixa mais irritado que presenciar
alguém dando uma de esperto e passando outros para trás. Assim, eu
já me preparava para soltar o verbo quando a garota olhou para trás
fixou bem nos meus olhos e disse: - olha, juro por deus, eu não
costumo fazer isso mas não sei o que me deu... eu pensei, elazinha
não sabe o que lhe deu? Pois eu já vou mostrar para essa mal
educada o que ela não sabe o que lhe deu. Antes que esboçasse qualquer reação ela disse: mas se você quizer eu vou lá para trás da
fila... fico lá, na boa. Vestia uma bluzinha branca decotada que
deixava á mostra o início de uns peitos que dava para advinhar que
eram lindos e eu era obsecado por seios lindos. Havia também aquele
jeitinho inocente de dizer as coisas como se tudo que ela fazia era
motivado pela mais pura inocência. Esqueci os desaforos que estava
para dizer e ficamos conversando enquanto a fila andava. Segunda
estranheza: sou inflexível e não abro mão de alguns princípios e
furar a fila é um deles, porque justo aquela garota havia me feito
abrir mão de um princípio sagrado?
Conversa
vai, conversa vem, a fila andou, pagamos nossas passagens,
descemos a escadaria naquele papo já tão íntimo como se fôssemos
amigos de longa data. O trem chegou e embarcamos rumo a Duque de
Caxias. Ela ia visitar a irmã que, afinal, acabei conhecendo naquele
dia mesmo pois a garota me convidou a acompanha-la até a casa da
Celeste, um amor de pessoa. No caminho a garota falou que morava em
Vaz lobo e que sua casa ficava na primeira rua à esquerda depois do
colégio estadual. Antes de chegar na casa da irmã dela paramos numa
pracinha para descansar e ali rolou o primeiro beijo. Na volta do
passeio já estava francamente disposto a combinar um novo encontro
que foi o que eu fiz. Tratamos de nos encontrar na estação do
Méier, no domingo, às três da tarde. Infelizmente no domingo houve
um desencontro pois ela me esperou no lado de dentro da estação e
eu a esperei no lado de fora. Fui para casa decidido a esquecer a
garota que havia dado o primeiro cano da minha carreira de
conquistador.
Passaram
seis meses, às vezes eu me pegava pensando na garota mas logo
esquecia até que um dia recebi um telefonema da minha tia Custódia.
Ela havia mudado de sua casa em Honório Gurgel para um apartamento
em Vaz lobo, passou o endereço para mim e anotei, na promessa de
qualquer dia de folga no restaurante ir visitá-la. Dito e feito na
primeira oportunidade fui visitá-la. Desci do ônibus em Madureira
e, para economizar o dinheiro da passagem resolvi andar a pé até o
endereço. Era um percurso longo de Madureira até Vaz Lobo e quando
passei pelo Colégio Estadual, de repente, lembrei da garota, ela
dissera que morava na primeira rua à esquerda do estabelecimento de
ensino. Na esquina da rua é claro que eu dei uma olhada, lá estava
ela, na frente de sua casa conversando com as primas. Ali, naquele
momento, meu coração pulou no peito e eu achei muito
esquisito pois nunca havia sentido nada igual por nenhuma garota. Fui
lá e quando ela me viu fez sinal que não chegasse perto da casa, as
primas correram para dentro rindo e ela saiu na rua para conversar
comigo. Segundo ela o padrasto era uma fera e não permitia namorar
por achar que era muito nova.
Terceira
e última estranheza, se eu não tivesse ido a ´pé para economizar
a grana da passagem, se fizesse o contrário, tivesse descido do
ônibus em Madureira e entrado em outro rumo a Vaz Lobo não teria
passado em frente á rua à esquerda do colégio, não teríamos nos
encontrado. Mas nos encontramos, começamos a namorar, casamos e
estamos juntos há 35 anos...não tinha de ser?